Por Carlos Corrêa*

Acabo de me flagrar carregando algumas garrafas de cerveja long neck e uma garrafa de vinho dentro de alguns sacos plásticos. Deixei tudo isso, como lixo, no local definido pelo condomínio para ser levado aos destinos adequados. Afinal, são descartáveis. Soa como se desaparecesse depois de descartado.

Não é difícil perceber uma mudança de posicionamento por parte da população global a favor da proteção ao meio ambiente, como evitar a poluição de rios, lagos e mares, e lutar contra o efeito estufa. É claro que não estou falando de parte da população que acredita que não há efeito estufa e que o extrativismo é a única forma de manter o crescimento da economia. Para esses, se a Europa já degradou suas florestas, por que o Brasil não pode? Mas não escrevo para eles, escrevo para quem se preocupa com o futuro do planeta e acredita que os humanos precisam diminuir a poluição. Ou porque destruirão o planeta ou porque serão expulsos pela natureza que, de tempos em tempos, expurga seus vírus e parasitas, limpando sua superfície para uma nova era.

Nasci a tempo de me lembrar do leiteiro passando pela frente das casas para trocar a garrafa de leite (de vidro) vazia por outra cheia com o leite que seria consumido nesse dia. Nos dias seguintes, tudo se repetiu até que a Tetra Pak veio substituir a garrafa de vidro. Uma embalagem descartável: era usar de jogar fora. Apesar do desemprego do leiteiro, a vida ficou facilitada. Já mais crescido, e cervejeiro, lembro da época em que consumíamos cerveja em garrafas de 600 ml que deveriam ser devolvidas ao bar para serem reabastecidas e devolvidas ao consumo. Até a chegada das long necks. Com essas novas garrafas, era consumir o produto e jogar a embalagem fora, já que era descartável. Ainda mais facilidade. E esses exemplos se repetiram. O plástico e as embalagens descartáveis se multiplicaram, facilitando nossa vida, mas aumentando a poluição ambiental. A vida marinha que o diga.

Atualmente, os resultados desse processo de produção de descartáveis mostram seus efeitos tanto na vida marinha quanto nos problemas de saneamento básico das cidades. Vejo isso com preocupação e consciência ecológica. E mesmo assim, me vi levando garrafas long neck e sacos plásticos para serem descartados. Mea culpa! É a diferença entre o discurso e a prática. E parece que não há saída. Bom, talvez não haja uma saída simples, já que vou precisar decidir se fico com a facilidade dos descartáveis ou com a consciência ambiental. Acreditar que posso ficar com os dois é manter a ilusão de que apenas os outros são responsáveis pelos problemas que o planeta enfrenta e não eu.

Talvez se estivesse morando apenas na cidade grande, eu não tivesse visto essa incoerência entre meu discurso e minhas ações práticas. Há pouco tempo, me mudei para uma cidade pequena do interior e, ainda cervejeiro, me deparei com a possibilidade de voltar a comprar cerveja em garrafas de 600 ml que podem ser devolvidas para reabastecimento, da mesma forma que no meu passado. Se eu estivesse lá, teria evitado o lançamento, tanto das long necks, quanto dos sacos plásticos nos rios ou aterros sanitários. Não prego aqui a volta ao passado, mas o repensar de nossas formas de agir, para um futuro melhor. E isso vale tanto para o uso dos descartáveis quanto para o consumo de combustíveis.

O Brasil foi o pioneiro e, por muito tempo o líder, na produção de etanol combustível, além de ser o único país a produzir frotas de veículos com motores Flex — que consomem tanto gasolina quanto etanol. No dia a dia, nossa população continua a escolher o combustível pelo preço. Se o etanol custar mais de 70% do preço da gasolina, não vale a pena. Vale abastecer com gasolina. Sem levar em conta todo o impacto do consumo de combustíveis fósseis sobre o efeito estufa. Vários estudos comprovam que o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar é capaz de reduzir em mais de 70% as emissões de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera – se usado em substituição à gasolina. Não usar etanol por causa da diferença de 1% ou 2% no preço não faz nenhum sentido, quando se pensa nas consequências ambientais. É mais uma vez a diferença entre o discurso e a prática.

Pequenas ações como o consumo menor de embalagens descartáveis ou o consumo de combustíveis renováveis, substituindo os fósseis, podem fazer a diferença no combate à poluição e no futuro do planeta. Só precisamos assumir que a mudança deve vir de todos nós e não apenas dos outros. É fácil culpar os outros pelos problemas de todos. Só que isso não resolve nada.

*Carlos Corrêa

Engenheiro Químico pela UERJ, Mestre em Administração de Empresas pela PUC-Rio, Pesquisador-doutorando no Grupo de Estudos Bioeconomia da Escola da Química na UFRJ e Conselheiro de Administração pelo IBGC. Possui mais de 40 anos de experiência como executivo, consultor e professor em gestão de projetos, gestão da mudança, formação de equipes e gestão de conflitos.

 

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